Contadores são vilões? Uma reflexão sobre a relação entre empresários, contadores e advogados

É curioso como, em um mundo cada vez mais conectado e complexo, ainda carregamos visões simplistas sobre papéis e responsabilidades. O contador, para muitos empresários, é o primeiro ponto de contato ao sonhar em abrir um negócio. É ele quem transforma a ideia em um CNPJ e, muitas vezes, no “guia” inicial de quem se lança no mundo empresarial. Mas será que isso basta? Será que o contador, ao facilitar a abertura de uma empresa, está ajudando ou, sem perceber, criando o primeiro obstáculo para o sucesso do negócio?

Antes de mais nada, não, os contadores não são vilões. Longe disso. Eles são peças essenciais na engrenagem que mantém as empresas funcionando. Contudo, existe um problema estrutural: muitos contadores ainda enxergam o cliente como um CNPJ, e não como uma entidade viva, complexa, com sonhos, desafios e vulnerabilidades.

A pressa em abrir, o erro em construir

A facilidade para abrir uma empresa no Brasil hoje é quase sedutora. Em poucos dias — às vezes, horas — você pode ter um CNPJ em mãos. Mas o que realmente significa ter uma empresa? É apenas preencher formulários e protocolar documentos? Ou estamos falando de criar uma estrutura sólida, com base na segurança jurídica, transparência e boas práticas de gestão?

Muitos empresários, guiados pela urgência do mercado, confiam no contador para essa tarefa inicial. O problema é que, na ânsia de “começar rápido”, detalhes fundamentais acabam negligenciados:

  • Qual é o modelo societário mais adequado?
  • As regras de governança estão claras?
  • O contrato social reflete os interesses de longo prazo?
  • E se os sócios tiverem um desentendimento?

Essas perguntas, frequentemente ignoradas no calor do momento, podem se tornar problemas gigantes no futuro.

Contadores e a visão tradicional do “CNPJ”

Muitos contadores ainda atuam como fizeram por décadas: atendem empresários como números em uma planilha. Fazem a contabilidade, cuidam das obrigações fiscais, entregam os balanços. Mas o mundo mudou. Empresas não são mais apenas entidades jurídicas; elas são organismos que precisam de estratégia, gestão de riscos e inovação. O contador que não se atualiza, que não busca entender as nuances da governança corporativa, acaba deixando de agregar valor ao negócio.

Pior ainda, quando o contador assume sozinho o papel de “guia do empresário”, ele pode cometer erros graves sem perceber. Um contrato social genérico, sem a devida análise jurídica, pode se transformar em um verdadeiro campo minado no futuro. Sócios brigam, investidores desistem, e a empresa afunda. Não porque a contabilidade estava errada, mas porque a estrutura jurídica não foi pensada com cuidado.

O advogado e o contador: adversários ou aliados?

Aqui entra a nossa mea culpa. Por muitos anos, o mercado jurídico também manteve uma postura distante, quase hostil, em relação aos contadores. Muitas vezes, advogados e contadores se enxergaram como adversários, disputando a confiança do empresário. Mas a verdade é que essa visão não serve mais. Hoje, mais do que nunca, o contador precisa enxergar o jurídico como um suporte, e o advogado precisa entender que o contador é um aliado estratégico.

Os contadores que se destacam no mercado não são aqueles que apenas “abrem empresas”, mas aqueles que entendem a importância de uma abordagem multidisciplinar. Eles percebem que a segurança jurídica é um pilar tão importante quanto a saúde fiscal. Enxergam o advogado não como um competidor, mas como um parceiro na construção de empresas sólidas e resilientes.

A responsabilidade do empresário

É fácil culpar contadores desatualizados ou advogados distantes, mas a responsabilidade também recai sobre o empresário. Muitos empresários entram no mercado com a visão de que abrir uma empresa é só uma formalidade, e acabam priorizando a rapidez em detrimento da qualidade. É preciso mudar essa mentalidade.

Abrir uma empresa é mais do que criar um CNPJ; é dar forma a um sonho, com responsabilidade e estratégia. É investir tempo e recursos para garantir que a base esteja sólida antes de crescer.

Uma nova visão: do CNPJ ao ecossistema

No final, o contador não é vilão, assim como o advogado não é herói. Ambos são parte de um ecossistema que precisa funcionar em harmonia para beneficiar o empresário. O contador que se atualiza, que entende a importância da governança, que trabalha em parceria com o jurídico, não apenas ajuda a abrir empresas; ele ajuda a construir negócios duradouros.

Aos contadores, fica o convite à reflexão: como você vê o cliente? Como um CNPJ ou como um empreendedor, com medos, sonhos e desafios?

Aos empresários, um alerta: escolha profissionais que vejam a empresa como um todo, não como um amontoado de números ou cláusulas.

E, a nós, advogados, uma lição: não somos donos da verdade, mas podemos ser aliados poderosos de quem quer transformar sonhos em realidade.

O sucesso empresarial, no fim das contas, é uma construção coletiva.

Rolar para cima