Economias Reais: onde o jurídico faz a empresa lucrar

Em 2024, o Brasil registrou a abertura de 3,9 milhões de novas empresas, o maior número da série histórica da Receita Federal¹.

Mas o entusiasmo empreendedorial esbarra em uma estatística dura: 1,5 milhão de empresas fecharam no mesmo período².

Isso significa que, a cada duas que nascem, uma morre antes de completar três anos. E o mais curioso é que a maioria não fecha por falta de clientes, mas por falta de estrutura.

Os números revelam o que eu observo há anos: o fracasso empresarial brasileiro tem muito menos a ver com o mercado e muito mais com o improviso jurídico. Negócios promissores sucumbem não por falta de vendas, mas por ausência de governança, contratos frágeis, passivos trabalhistas e erros tributários que poderiam ter sido evitados com um diagnóstico preventivo.

O problema é que o jurídico ainda é tratado como “o custo para resolver problemas”, quando, na verdade, é o meio para evitá-los — e, em muitos casos, para gerar lucro.

O jurídico é um campo de economia invisível, onde cada cláusula bem redigida, cada estrutura societária coerente e cada política preventiva significam dinheiro poupado, tempo ganho e estabilidade construída.

1. Societário: o custo invisível da desorganização

Toda sociedade começa com um aperto de mãos e uma ideia promissora.

Mas o tempo transforma intenções em conflito, e é nesse ponto que o contrato social — ou a falta dele — mostra o seu valor real.

De acordo com o Valor Econômico, 15% das disputas empresariais hoje são de natureza societária³.

A maioria nasce da ausência de um acordo de sócios capaz de disciplinar papéis, lucros, retiradas e saídas. O litígio surge quando um sócio se sente sobrecarregado, outro quer sair sem consenso, ou quando as expectativas deixaram de ser alinhadas.

Tudo isso poderia ter sido evitado com um documento que, na prática, vale muito mais que o capital social: a governança entre as partes.

Em termos técnicos, o acordo de sócios é o instrumento que transforma a confiança em previsibilidade.

Segundo estudos da FGV Direito SP, sua adoção reduz em até 80% a judicialização em empresas familiares ou de capital fechado⁴.

E não é apenas sobre evitar briga — é sobre manter a empresa viva quando a emoção ameaça o negócio.

O ConJur publicou recentemente um artigo que sintetiza o ponto: o acordo de sócios reduz custos de transação e de agência, isto é, o custo de administrar o comportamento humano dentro da sociedade⁵.

Ao prever cenários de saída, sucessão e morte, o jurídico antecipa o conflito — e essa antecipação é economia pura.

Em um caso que acompanhei, uma startup reestruturou sua sociedade criando uma holding de controle.

O objetivo inicial era atrair investimento, mas o resultado foi ainda maior: a estrutura permitiu disciplinar poder de voto, criar regras sucessórias e reduzir em 25% os tributos sobre distribuição de lucros.

O que começou como reorganização virou blindagem patrimonial e previsibilidade financeira.

A doutrina confirma: como lembra Gladston Mamede, o Direito Societário é o “braço jurídico da governança”.

Ele não serve apenas para constituir empresas — serve para mantê-las sustentáveis e operantes.

2. Contratual: onde o dinheiro escorre pelas entrelinhas

O contrato é o DNA do negócio. Ele define o que se entrega, o que se paga e o que acontece se algo der errado.Mas no dia a dia, o que vejo é uma cultura de “copiar e colar”.

Contratos que se limitam a formalidades genéricas e esquecem o essencial: a função econômica.

E quando o contrato não protege o equilíbrio, o prejuízo aparece, silencioso. Um exemplo simples: o IBGE apontou que a inflação acumulada em 2024 foi de 4,5%⁶.

Empresas que firmaram contratos de fornecimento ou prestação de serviço sem cláusula de reajuste perderam o equivalente a meses de faturamento apenas por erosão inflacionária.

O mesmo vale para contratos sem multa, sem juros ou sem previsão de revisão — o inadimplemento vira vantagem para quem descumpre.

Uma rede de academias mineira revisou dezenas de contratos de fornecedores. Nenhum previa reajuste. Nenhum fixava penalidades. Nenhum obrigava a contraparte a manter prazos de entrega. Apenas com ajustes simples, a projeção de economia foi de R$ 180 mil ao ano, sem precisar cortar custos nem demitir pessoas — apenas equilibrando riscos.

E não se trata de formalismo. Como ensina Orlando Gomes, “o contrato não é apenas a expressão da vontade, mas o instrumento de segurança da troca econômica”. Um contrato mal feito custa caro. Um contrato estratégico gera lucro.

Por isso, o jurídico contratual moderno deve ter a mesma mentalidade de gestão financeira: analisar variáveis, medir impacto e prever cenários. Cláusulas de performance, garantias proporcionais, rescisão equilibrada e compliance contratual são mais do que detalhes — são mecanismos de proteção de caixa.

3. Trabalhista: prevenção que se traduz em resultado

A Justiça do Trabalho registrou 2,2 milhões de novas ações em 2023⁷. Esse número não é apenas estatístico — é uma radiografia da cultura empresarial brasileira: improviso na gestão de pessoas, falta de treinamento de líderes e descuido documental.

A maioria das ações nasce de falhas básicas: ausência de registro, acúmulo de função sem remuneração, controle de jornada deficiente ou uso indevido do modelo de PJ.

E o custo disso é brutal.

Empresas que acumulam processos trabalhistas sofrem bloqueios, perdem crédito, e comprometem seu fluxo de caixa.

Em uma auditoria, uma empresa de logística com 30 colaboradores identificou riscos potenciais de R$ 400 mil em condenações. Em vez de correr atrás de defesas, decidiu revisar contratos, descrever funções, implementar política interna de jornada e treinamento gerencial.

Em um ano e meio, reduziu as ações de sete para uma. A economia não veio apenas da ausência de condenações — veio da tranquilidade operacional.

A doutrina trabalhista, na linha de Maurício Godinho Delgado, é assertiva: a prevenção é forma de responsabilidade social e eficiência econômica. A empresa que cumpre a lei com método não “gasta com jurídico”; ela investe em longevidade.

4. Compliance: o seguro mais barato que existe

Compliance ainda é palavra que assusta micro e pequenas empresas. Mas, na prática, é o que diferencia negócios sérios de aventuras empresariais.

A pesquisa da KPMG em 2023 demonstrou que empresas com programas de integridade reduzem em até 30% seus custos com fraudes, retrabalho e perdas operacionais⁸. Trata-se de um retorno objetivo — e não de um “custo ético”.

Em uma companhia de infraestrutura, um canal de denúncia interno identificou um esquema de superfaturamento de compras. O prejuízo potencial era de R$ 2 milhões. A investigação interna bloqueou o dano, puniu os envolvidos e reforçou os controles. O custo anual do programa de compliance: R$ 120 mil. O retorno: 1.600%.

E os efeitos vão além da economia direta.

Empresas com compliance consolidado têm mais credibilidade com bancos, investidores e clientes.Elas pagam menos por crédito e atraem parceiros mais sólidos.

O caso dos cartórios é emblemático. Segundo reportagem da Gazeta do Povo, unidades que implementaram compliance tributário preventivo conseguiram evitar autuações milionárias e ganhar previsibilidade de caixa⁹. Outras, sem controles, foram multadas em valores que comprometeram anos de receita.

Como ensina Pierpaolo Bottini, o compliance é a autorregulação que preserva a liberdade de empreender. E a liberdade, no ambiente empresarial, é sempre um ativo econômico.

5. Tributário: onde o dinheiro esquecido mora

O Direito Tributário é, talvez, o campo mais fértil de recuperação de valores. Estudo da Receita Federal mostrou que empresas no regime inadequado podem pagar até 38% mais tributos do que deveriam¹⁰.

E, segundo o Contábeis, erros tributários simples — como classificação incorreta ou omissão de receita — geram multas de até 225%¹¹. Esses números são a tradução exata do desperdício invisível.

Uma empresa industrial paulista, após revisão jurídica de cinco anos, encontrou R$ 480 mil em créditos de PIS/COFINS acumulados.

Outro cliente, do setor alimentício, reestruturou a matriz tributária e migrou de Lucro Presumido para Simples Nacional, reduzindo a carga em 14%. Nenhum deles “criou vantagem” — apenas corrigiu o que estava errado.

Com a Reforma Tributária avançando, o Migalhas destacou que empresas que fizerem o dever de casa antes da transição terão vantagem competitiva e segurança jurídica¹².

Porque quem espera o caos para agir, paga o preço da urgência. O planejamento tributário não é manobra; é inteligência fiscal com base na lei.

A verdade é que o jurídico tributário, quando bem aplicado, transforma passivo em ativo e burocracia em resultado.

Conclusão: o jurídico como determinante da sobrevivência

O Brasil é um país que abre empresas em ritmo de esperança e as fecha em ritmo de descuido. A diferença entre as que crescem e as que morrem raramente está no produto — está na estrutura.

As que sobrevivem entendem que jurídico é investimento, não despesa. Ele reduz custos, melhora decisões, evita crises e constrói reputação. O empresário que enxerga o jurídico como custo paga duas vezes: primeiro, pelo erro; depois, pelo conserto. O que o trata como investimento colhe previsibilidade, tranquilidade e tempo — e tempo, no mundo dos negócios, é sempre a moeda mais cara.

Eu sempre repito: não existe empresa sólida sem base jurídica sólida.

E o jurídico, quando pensado estrategicamente, é o que transforma o improviso em permanência, a reação em prevenção e o risco em rentabilidade.

Porque lucro e segurança, no fim das contas, são a mesma coisa — e ambas começam naquilo que o empresário decide estruturar.

Referências

1.  Receita Federal – Mapa de Empresas 2024

https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2024/abril/brasil-registra-recorde-de-abertura-de-empresas-em-2024

2.  Sebrae – Fechamento de empresas atinge 1,5 milhão em 2024 https://www.agenciasebrae.com.br/sites/asn/uf/NA/mais-de-15-milhoes-de-empresas-foram-fechadas-em-2024

3.  Valor Econômico – Disputas societárias crescem no Brasil https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/02/02/disputas-societarias-crescem-no-brasil.ghtml

4.  FGV Direito SP – Estudos de Governança Societária (2024) https://direitosp.fgv.br

5.   ConJur – Acordo de sócios para mitigar problemas e reduzir custos de transação https://www.conjur.com.br/2024-fev-29/acordo-de-socios-para-mitigar-problemas-e-reduzir-custos-de-transacao-a-longo-prazo

6.   IBGE – IPCA 2024

https://www.ibge.gov.br/explica/inflacao.php

7.   Tribunal Superior do Trabalho – Relatório Geral da Justiça do Trabalho 2023 https://www.tst.jus.br/

8.  KPMG – Pesquisa de Integridade Corporativa 2023 https://kpmg.com/br/pt/home.html

9.  Gazeta do Povo – Compliance tributário preventivo evita autuações milionárias https://www.gazetadopovo.com.br/conteudo-publicitario/brasil-advice/compliance-tributario-preventivo-cartorios-autuacoes

10.  Receita Federal – Estudo comparativo de regimes tributários para PMEs (2024) https://www.gov.br/receitafederal/pt-br

11.  Contábeis – Erros tributários comuns levam a multas de até 225% https://www.contabeis.com.br/noticias/71829/erros-tributarios-comuns-levam-a-multas-de-ate-225-no-brasil

12.  Migalhas – Planejamento tributário e segurança jurídica com a reforma tributária https://www.migalhas.com.br/depeso/425187/planejamento-tributario-de-empresa-seguranca-juridica-e-gestao

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