Muita gente acredita que abrir uma empresa em sociedade é um passo natural quando se encontra um parceiro de negócios confiável. Dois (ou mais) empreendedores, unidos por um projeto, aportam recursos, compartilham responsabilidades e decidem registrar oficialmente a parceria. É assim que nasce a sociedade empresarial: uma estrutura formal, criada por meio de contrato social, com capital definido, quotas distribuídas e objetivos traçados.
No entanto, existe uma crença perigosa que paira sobre esse início: a de que a sociedade é, por natureza, duradoura — quase indissolúvel — como se fosse um casamento que deve sobreviver a todas as crises. O entusiasmo inicial costuma mascarar a realidade: sociedades não são eternas. A ligação que hoje une dois sócios pode se fragilizar com o tempo, seja por mudanças nos objetivos, por divergências estratégicas, por desgaste pessoal ou simplesmente porque um dos lados não deseja mais continuar. E quando essa percepção chega, muitas empresas descobrem que nunca se prepararam para esse momento.
Por isso, a escolha do sócio não é uma decisão que se toma apenas com base em afinidade ou confiança pessoal. Ela exige critérios objetivos: competências complementares, equilíbrio entre visão estratégica e capacidade de execução, solidez financeira, maturidade emocional e, principalmente, alinhamento de valores e de expectativas.
Um sócio ideal não é aquele que pensa igual, mas aquele que, pensando diferente, ainda consegue somar. E, para que essa soma se mantenha saudável, é preciso que desde o início estejam definidos não apenas os papéis de cada um, mas também os mecanismos para lidar com as inevitáveis discordâncias.
Toda sociedade está sujeita a impasses: decisões sobre reinvestir ou distribuir lucros, mudança de estratégia comercial, escolha de fornecedores, contratação de pessoal-chave. Sem um procedimento pré-definido para resolver essas situações, a divergência se prolonga, paralisa decisões e mina a confiança.
Mecanismos objetivos, previstos desde o contrato social ou acordo de sócios, podem evitar que uma diferença de opinião se transforme em crise. É possível estabelecer quóruns diferenciados para determinados assuntos, criar um comitê consultivo externo para desempates estratégicos ou prever mediação obrigatória antes de qualquer medida judicial. Essas ferramentas não eliminam o conflito, mas impedem que ele transborde para o campo pessoal e afete a operação da empresa.
O empresário que entende isso não busca um sócio “espelho”, mas um sócio “complemento”. E, para que essa complementaridade seja produtiva, é preciso criar pontes antes que seja necessário apagar incêndios. Discordar faz parte; desestruturar a sociedade por falta de preparo não deveria.
Funções bem delimitadas são um pilar de estabilidade. Quando cada sócio sabe claramente quais áreas de gestão estão sob sua responsabilidade, as decisões se tornam mais ágeis, os erros têm donos definidos e os resultados podem ser medidos com justiça. Já nas sociedades onde os papéis são fluidos, a sobreposição de funções ou a omissão de responsabilidades abrem espaço para disputas silenciosas que, com o tempo, corroem a relação.
Mesmo com uma boa escolha e funções claras, é possível — e legítimo — que um sócio decida deixar a empresa. É aí que entra o direito de retirada, que garante ao sócio a possibilidade de se desligar, recebendo o valor proporcional à sua participação. Na teoria, trata-se de um procedimento simples: apura-se o valor da empresa, calcula-se a quota do sócio retirante e efetua-se o pagamento. Mas na prática, essa é uma das fases mais complexas e litigiosas da vida societária.
A apuração de haveres, que deveria ser apenas um cálculo, frequentemente se transforma em uma disputa sobre o que realmente compõe o patrimônio da empresa. A contabilidade, embora essencial, não captura todos os elementos de valor: contratos já firmados, mas ainda não executados; projetos em andamento que gerarão receita futura; ativos intangíveis, como marca e carteira de clientes; e até demandas judiciais que podem impactar diretamente o caixa. O que não foi previsto no contrato social vira terreno para interpretações — e interpretações diferentes significam conflito.
Um exemplo comum é o dos projetos não faturados no momento da saída. Muitas empresas emitem a nota fiscal apenas quando o serviço é concluído, mas o valor já está praticamente garantido pela execução em andamento. Se esse tipo de receita não estiver previsto na metodologia de apuração, o sócio retirante pode sair com um valor muito inferior ao que teria direito — ou, ao contrário, levar mais do que seria justo, caso o projeto não se concretize. É nessas brechas que nascem disputas que consomem tempo, dinheiro e energia.
Trago aqui dois exemplos que me vieram neste último mês.
O primeiro se trata justamente de projetos em execução, mas ainda não finalizados. O sócio deseja sair, mas o contrato social não prevê o critério de apuração de haveres. Neste caso, aplica-se o critério do balanço de determinação (jurisprudência já sedimentada). Ocorre que o balanço não reflete o fluxo financeiro da empresa e a forma de apuração desses haveres pode ser conflituosa se não conduzida de forma correta.
Outro caso é também sobre a retirada de sócio, em que também a apuração de haveres é a causa de possível controvérsia. Neste caso, há a definição do critério da apuração e sua forma de pagamento. Mas a sociedade possui um bem imóvel que foi adquirido com os recursos empresariais, mas não está integralizado na pessoa jurídica, mas na pessoa física de dois dos três sócios. A condição não é recente, mas perdura por mais de 20 anos. Agora, o sócio que quer se retirar tem um “problema” nas mãos…
O mais surpreendente é que a maioria dos empresários só se dá conta dessa fragilidade quando já está em meio ao problema. Até lá, prevalece o “vamos resolver depois”, que nada mais é do que um adiamento de decisões estratégicas. Mas decidir antes é justamente o que evita que a dissolução da sociedade se transforme em um campo de batalha. Critérios de avaliação, prazos de pagamento, regras sobre inclusão ou exclusão de valores futuros — tudo isso pode e deve estar definido desde a constituição da empresa.
Sociedades empresariais não precisam acabar mal. Elas podem se desfazer de forma planejada, preservando relações pessoais e evitando prejuízos desnecessários. Para isso, é preciso encarar a realidade: sociedades não são um pacto eterno, e sim um acordo que deve ser constantemente alinhado. O segredo está em escolher sócios com critério, estabelecer funções com clareza e planejar não apenas como a empresa vai operar, mas também como ela vai se desfazer, se for preciso.
No fim, o verdadeiro compromisso entre sócios não é “até que a morte nos separe”. É “até que faça sentido para ambos” — e, quando deixar de fazer, que haja um caminho justo e previsível para seguir adiante.